Como se pode obter muito prazer com eficiência, discrição,
economia, excelência e sobriedade?
( ) Com uma amante
argentina,
( ) Com uma passista
de escola de samba,
( ) Com uma geisha.
A amante argentina, diz a lenda, se alimenta de bife ancho
recheado de dólares ou euros. Passistas de escola de samba não são exatamente
discretas.
Não costumo escrever
sobre esse tema. Falo, vocês sabem, sobre carros, motos e bobagens correlatas,
apenas. Apenas forcei a barra pra justificar minha supresa depois de andar por
dois dias e mais de 700 km com um Honda Civic LXS no meu circuito particular de
teste, que qualquer pessoa pode usar mediante pagamento de pedágio, não pra
mim, claro. São Paulo, litoral norte, São Luis do Paraitinga, Taubaté, Campos
do Jordão e imediações e... de volta ao caos paulistano.
Meus amigos colecionadores de carros antigos se referem aos
atuais como plastimóveis. Tudo agora é plastimóvel. Nada tem alma e estilo, na
visão deles. Não costumo comparar nenhum carro que experimento a algum outro
mas abrirei exceções pontuais, e evocando carros alemães mais sofisticados e caros.
Pois o Civic tem alma.
O sedan branco que usei é a versão básica do line up do
fabricante japonês. Tem motor de 1.800 cc e câmbio mecânico de seis marchas.
Todos os outros usam câmbio automático e motor de 2.000 cc. O LXS não tem
vários dos equipamentos dos irmãos mais caros: acendimento automático dos
faróis, cruise control, display multimídia de 7 polegadas, entrada HDMI, câmera
de marcha-à-ré capaz de mudar o rumo da história (tem só a câmera e tem gente
que acha pouco...), teto solar elétrico, air bag lateral de cortina, bancos
revestidos em couro, sistema de auxílio de partida em aclives, controle de
tração e acabamentos cromados aqui e ali. Faz falta, isso? Sinceramente, não.
Não gosto de bancos revestidos em couro. Eles são gelados no
inverno, quentes no verão, não respiram e não pregam o corpo como velcro ao
banco. Prefiro tecido, sempre. E os bancos do Civic basicão que experimentei
são revestidos com um tecido bem legal, clarinho e bem grudento a ponto de não
ser necessário fazer força pra se manter sentado bem no meio do banco durante o
contorno de curvas rápidas. Podia falar especificamente de cada item descrito
no parágrafo de cima mas vou, como sempre, me ater aos aspectos que fazem
diferença quando o carro está andando. Afinal de contas, carros foram feitos
pra serem dirigidos. O Honda tem, claro, seus aspectos menos atraentes
(negativos, vai, pra ser mais honesto).
Começo por eles.
O console tem apoio para os cotovelos. Ele é alto e
atrapalha muito o manuseio da alavanca de câmbio. Deve ser o mesmo dos carros
equipados com câmbio automático. Não verifiquei isso. Alguém o faça, por favor.
Andando com a tampa aberta até é possível trocar de marcha com algum conforto.
Mas adaptei o método que usava quando pilotava carros de fórmula Ford e Vee,
emulando mais um cotovelo entre o original de fábrica e o pulso. O cockpit do
Civic permite isso, já que o pequeno e bom volante e o banco tem boa amplitude
de ajustes. Eu gosto de banco baixo.
O painel, bonito por sinal, tem dois andares. No andar acima
do volante está o velocímetro digital. No andar de baixo está o contagiros.
Esses dois mostradores são os mais importantes e estão alinhados com o centro
do volante, o osso esterno e o nariz do motorista. Só que depois de ter
ajustado o volante e o banco para o máximo conforto e acessibilidade aos
controles e comandos, parei de enxergar o velocímetro. Para quem mora em São
Paulo isso é fatal. Tem radar em todo canto e limites de velocidade diferentes
nas ruas e avenidas e é bom estar atento no caso de não contribuir para a
arrecadação exagerada do município. Abri mão da altura ideal do volante mas
minhas pernas não sofreram com isso porque ele tem diâmetro bem pequeno.
Os outros dois pequenos problemas estão diretamente
relacionados com a suavidade do carro. O sistema de freio conta com um booster
bem mais potente do que o necessário. O pedal do freio responde à menor
pressão. Uma pena de ganso em queda livre acionaria os freios... Não sei pra
quê isso. Talvez o cara do marketing que palpitou no ótimo projeto dos caras da
engenharia seja um sedentário flácido cujo maior exercício seja apertar as
teclas do iMac. Isso influi diretamente na suavidade da condução assim como o
recurso empregado pelos responsáveis pelo sistema de injeção, de deixar o motor
ainda acelerado depois de se tirar o pé do acelerador para uma troca de marcha
ascendente. Isso abaixa o nível de emissão de poluentes. Mas faz com que a
gente pareça navalha recém habilitado, caso não se espere longos décimos de
segundo pela queda da velocidade angular do volante do motor pra encaixar a
próxima marcha suavemente. Meu jeito pra superar isso é tirar o pé da embreagem
mais devagar. Mas isso só é incômodo andando com trânsito pesado. Em estradas o
carro é uma delícia, como veremos adiante.
Já devo ter falado em alguma outra avaliação sobre casamentos
legais entre câmbio e motor. Tem alguns fabricantes que capricham nesse tema (e
ao mesmo tempo cagam em outros...). Pois a Honda fez, através da longa vida da
marca Civic, a perfeita união entre um ótimo motor, um excelente câmbio close
ratio, uma suspensão quase que de carro de corrida e um monobloco sólido o
suficiente pra me deixar muito à vontade em qualquer condição de tocada.
Meus amigos antigomobilistas não gostam do desenho das carrocerias
modernas. Nem eu, pra falar a verdade, com pouquíssimas exceções. Não acho o
Civic bonito. Mas também não acho bonitos o Corolla, o Fluence, qualquer
Chevrolet, a maioria dos Ford, todos os Nissan... Mas também não o acho feio. Passa batido no
mar de carros despersonalizados, o que é uma vantagem se o objetivo é ser
discreto. Mas a carroceria “fura” bem a atmosfera. O carro anda solto e isso é
positivo. Sofre mínima influência de ventos laterais e dá pra ultrapassar
caminhões bem pertinho deles sem tomar susto com mudança brusca de direção.
Para isso colabora o bom acerto de convergência no alinhamento do carro. Beeem
diferente da divergência no eixo traseiro adotada por um fabricante que já foi
legal e que torna o carro um lixo em linha reta sob a ação de ventos laterais.
O Honda é como uma flexa retinha. A gente olha pro alvo e o carro segue quase
que telepaticamente para a direção certa. Fico pensando nos estagiários que
auxiliaram no projeto do carro do fabricante que já foi legal... he he he...
Pitch, roll & yaw (já falei sobre isso algumas vezes.
Leiam
aqui). Repetindo o ótimo ride dos Audi modernos
(falei que ia usar carros alemães como referência), é difícil dizer com
precisão se o carro tem tração dianteira, traseira ou nas quatro rodas de tão
bem acertado que é. Claro que a tarefa foi mais fácil pros engenheiros da Honda
por disporem de um motorzinho de apenas 140 hp e pouco menos de 18 kgf/m de
torque. Bem parecido com o motor do meu velho carro alemão, por sinal. Só que,
já que falei do meu carro, o motor do Honda tem variador de fase no comando.
Tem mais torque que o B42M18 do meu carro até umas 4.000 rpm e tem
personalidade tão arisca quanto acima disso. Só que o barulho, meus amigos, faz
arrepiar todos os pelos do corpo. Do pacato e silencioso sedan abaixo das 4.000
rpm, o Honda vira um DTM dos anos 90 acima disso. A agulha do contagiros sobe
rápida até o corte sujo a quase 7.000 rpm. Lindo de ver e ouvir. O som do motor
se torna rascante e invade deliciosamente o cockpit. Por mim, guiava o carro
assim o dia todo. O excelente câmbio de seis marchas de relações curtas permite
isso. A velocidade angular do motor quase não cai na troca das marchas. A
marcha seguinte sempre pega o motor cheio. E as reduções, ah as reduções! São
de cinema. Em serras com curvas apertadas precedidas por retas relativamente
compridas pode-se reduzir duas ou três marchas usando o velho e bom punta-tacco
com aceleração intermitente. Argentinos, ao descrever freadas nos seus
autódromos, falam quantos “whams” são necessários nas freadas. “Entonces vienes
en sexta y... wham wham wham!”. Quem gosta muito de dirigir vai me entender
agora: a curvinha tá chegando, o carro tá meio rápido, a gente sabe que é de terceira
que se faz o contorno e tá em sexta ainda. Então tem que passar rápido pra
terceira, não pode passar de giro porque os pistões podem atropelar as válvulas
e fazer um estrago dos diabos e o freio, que eu disse lá em cima que era muito
sensível, nessa hora se torna O CARA que mata a velocidade pra gente poder
encaixar as marchas mais baixas.
Pãtz! Tava falando de pitch, roll e yaw, lembrei do
excelente power train e...
A carroceria praticamente não rola, não afunda em freada e
nem levanta em acelerações mais vigorosas e não apresenta ângulo de deriva
perceptível. Me lembrou muito do Audi A3 sedan. A diferença ficou para a
filtragem do ruído dos pneus/suspensões para o cockpit. Percebe-se que o
isolamento dos ruídos externos foi bem feito, à exceção do ruído delicioso do
motor quando a agulha do velocímetro tá lá em cima (chega, chega) e o dos pneus
rolando sobre o asfalto. Dá pra dizer sem olhar pro chão sobre que tipo de piso
o carro tá andando de tão evidente que é o ruído.
Sempre vai ter um rabugento que vai achar que o acabamento
do Honda não é sofisticado, que os materiais empregados não são nobres e que
não tem ar condicionado de duas zonas. Mas esse rabugento também não vai tirar
do carro tudo que ele pode oferecer enquanto tá fazendo o que foi projetado pra
fazer: andar. Pensando em andar de carro e ter prazer com isso, o Honda cumpre
muitíssimo bem o papel.
Ele tem alma e personalidade sim.
Além de ser bom de guiar, é suficientemente econômico. Tem
um gadget acionável por botão no painel que o torna um brinquedo de economizar
combustível. O carro avisa quando a guiada está sendo eficiente e sugere trocas
de macha e pressão do pé no pedal do acelerador. Bem interessante. Consegui
fazer mais de 10 km/l de álcool andando do mesmo jeito que ando com todos os
carros que avalio. Muito bom.
Nossa tralha (a normal de sempre: três mochilas, mais duas
com equipamento fotográfico e mais duas grandes com os tripés) coube no
porta-malas com folga e eu me sentei confortavelmente no banco traseiro, com o
dianteiro regulado para mim mesmo.
Já ia esquecendo. O volante do Civic deve ter sido projetado em parceria com a Sony. O botão de acionamento dos comandos do som e da midia do carro é muito parecido com o do controle dos Playstation. Absolutamente intuitivo e fácil de usar. Sem contar que é pequeno, o diâmetro, e bem gostoso de empunhar.
Eu comprava fácil um Civic LXS mecânico. Só que fui no hot site do fabricante e... não tem na cor vermelha. Nem verde. Só branco, uns tons de cinza, um azul escuro e preto.