Lula fazendo a parte dele direitinho
Em 1997 ou 1998 vivia-se o boom do kart indoor. Ainda tinha muita pista de kart de aluguél em São Paulo. Em 1995 chegou a ter 102 pistas na Grande São Paulo. Eu sei porque fui sócio (por alguns meses) de uma.
Promoções começaram, claro, a pipocar em todo canto.
A primeira grande prova com karts de endurance aconteceu em Itú, no kartódromo então recém inaugurado.
Essa história não tem nada que ver com o endurance de 24 horas de Itú mas começa nele, uma vez que o kart da foto aí de cima foi comprado pra correr lá pelo Gabriel Marazzi, que montou um esquema até que bacana, com trailler pros pilotos atrás dos boxes e um bom aparato de ferramentas e peças. Pena que a inexperiência do time todo não o levou a uma colocação legal, apesar de terem eles terminado a corrida.
Ocorre que esse kart acabou ficando comigo e íamos, Gabriel, eu e alguns convidados, andar de vez em quando em pistas do interior do Estado.
Acabei comprando esse kart e fazendo as primeiras provas de um campeonato então chamado Sprint.
Só pra lembrar, os karts de corrida eram iguais aos de locação e treinávamos à noite, enquanto a pista era locada para diletantes.
Tive o prazer de correr com muita gente boa na minha pequena equipe. E muita gente ruim também.
Os piores foram os que fizeram a primeira edição das 500 Milhas da Granja Vianna comigo. Ou eu com eles, já que eu é que fui convidado por eles pra fazer essa prova.
O cara aí da foto, meu amigo desde sempre, me liga num belo dia me contando da prova, que eu não sabia que existia. Me propôs correr de graça, o que me interessou. Os outros nove pilotos é que arcariam com a inscrição, compra de pneus, peças, combustível (não lembro se tava incluído no valor da inscrição), óleo, etc. Uma pista de indoor nos emprestou dois motores e levei meus dois como reserva. Eu tinha também vários jogos de roda de reserva e ferramentas suficientes pra desmontar e montar o kart inteiro.
Na verdade o hardware todo era meu, incluindo uma pickup que fazia o transporte de tudo.
Tínhamos tudo pra fazer uma boa prova, ou pelo menos uma bem razoável, se se desconsiderasse a absoluta falta de experiência de mais da metade dos dez pilotos que iriam levar o kart até o fim da prova.
Os treinos não foram catastróficos, menos pra mim. Todo mundo queria pegar a mão do kart e da pista e não sobrava tempo pra EU andar. Naquela época eu gostava muito de andar de kart e treinava pelo menos duas vezes toda semana . Bem mais do que hoje.
Os tempos dos pilotos "contratados" não me animavam em nada. Sendo bem honesto, eles não sabiam nem guiar direito. Quanto mais tirar o máximo possível de um kart de endurance.
"Quéisso, Irineu! A gente tá aqui pela farra", me disse um deles. Fosse eu menos burro, tirava o time de campo naquela hora e ia jogar tranca com minhas irmãs em alguma praia pouco frequentada no litoral norte do Estado de São Paulo.
Corrida é assunto sério, sempre. Pelo menos pra mim. Dentro de um kart ou carro de corrida todo mundo é do mesmo tamanho e dá pra encarar qualquer adversidade basicamente usando só a experiência.
Pra mim, isso.
Acreditando em milagre, fui adiante no projeto de fazer a corrida.
Deixei minha pickup com o cara da foto e peguei a que estava com ele, bem maior, pra levar todo o equipamento de uma vez só pra Granja Vianna.
Montei o box praticamente sozinho. Faltando poucas horas pra começar a classificação é que contratei um ajudante. A idéia era eu fazer tudo sozinho: pilotar nos stints que me cabiam, manter o kart funcionando por 12 horas ou mais e coordenar os outros nove caras.
Mas isso não durou muito. Um deles, já experiente e campeão paulista numa categoria de carros rápidos mas não qualificado pra guiar kart de dois motores queria fazer ou a classificação ou o primeiro stint, ou seja, a largada.
Rá! No MEU kart.
Não é por nada mas se tem uma coisa que sei fazer muito bem é largada. Classificação, numa prova longa, não tem tanta importância. Mas a largada tem muita. Tem muito tráfego e mais da metade do grid quer ir pra frente o mais rápido possível. Tem que ter muita paciência, visão de corrida, conhecimento da pista e jogo de cintura pra escapar das cagadas burradas dos outros.
O traçado das 500 Milhas era exclusivo dessa prova e liberado para os pilotos apenas no dia da prova, poucas horas antes. Não tinha muito tempo pra treino porque era uma medida pra tentar nivelar os pilotos amadores aos profissionais, creio eu.
Não deu outra. Perdí a discussão e acabei fazendo só a classificação, deixando o multicampeão intergalático largar.
Uma curva, duas, três, quatro e... pimba!
O multicampeão se deixou envolver numa porrada e nem fechou a primeira volta, levando MEU kart para o box. Uma roda traseira quebrada e carenagem (novinha) detonada.
Eu e o ajudante trocamos tudo rapidinho e botamos o cara pra andar outra vez. Em seguida, eu guiando. O kart tava ótimo apesar dos fracos motores emprestados. Não demorou muito e me tiraram da pista. Por mim, ficava lá até hoje.
O próximo piloto parou com um motor inoperante. Trocamos de motor e o kart voltou pra pista. Desmontando parcialmente esse motor emprestado, saquei que era muito velho e desgastado. Nem preciso dizer que os motores que usamos na corrida nos foram entregues aos 45 minutos do segundo tempo e não tive tempo pra revisá-los. Óbvio também que eu queria muito economizar os meus motores. Mas não teve jeito.
Os balancins dos motores emprestados, desgastados que estavam, saíam do alinhamento válvula/vareta constantemente. Era fácil de arrumar isso, até, mas o problema voltava. Então botei os meus motores, mais confiáveis, pra andar.
Isso consome tempo, claro. Tempo e paciência, já que eu tinha que fazer a troca contando apenas com a ajuda do menino que contratei e com palpite de todo mundo.
Paciência é um atributo escasso na minha personalidade, diga-se.
Mas...
Motores em ordem, vamos tentar recuperar uma parte do prejuízo.
Uma dada hora, a da troca dos pneus, entra um piloto para fazer seu primeiro stint (devia ser a quinta ou sexta hora do kart na pista). Pneus trocados e calibrados, mandei o cara pra pista. Já era madrugada e tava serenando.
Vou parar o relato agora pra pensar um pouco. Pneus novos requerem algumas centenas de metros até que comecem a funcionar direito. Tanto por causa da temperatura como pelo fato de não serem "limpos" de outro material que não seja a própria borracha. Além do que, à noite pistas de asfalto esfriam, retardando o aquecimento dos pneus.
Voltando à corrida, o cara deu uma volta e entrou no box pedindo pra calibrar os pneus porque o kart tava absolutamente sem grip.
Meu ajudante foi correndo pegar o calibrador de pneus e o bico da mangueira de ar. Ainda bem que eu tava de olho nessa hora. Não deixei, claro, o ajudante fazer nada. Fui até o kart e perguntei o que tava acontecendo. O cara berrou outra vez que o kart tava sem grip e queria mudar a calibragem dos pneus.
Paciência acaba e a minha acabou naquele exato instante.
Tirei o cara do kart aos berros, dizendo que ele não precisava nem mais ficar no kartódromo porque não ia mais guiar aquele kart. O MEU kart.
Subí eu mesmo nele e fui pra pista. No kart que não tinha grip e precisava de nova calibragem nos pneus.
Na amurada dos boxes, apenas meu ajudante torcia por mim. E muito! Acho que nunca fiz tanta ultrapassagem na minha vida. Por dentro, por fora, em freada de fim de reta, em subida, em descida, com as quatro rodas no ar (tem um jump no traçado das 500 Milhas). Eu não sabia mas foi nesse stint que nasceu o nome deste blog.
O resto apenas olhava.
Depois desse stint entreguei o kart, o box e tudo que tinha dentro pro resto da equipe e fui dormir dentro da minha pickup. Quem me conhece sabe que uma vez desligado desse mundo terreno, difícilmente acordo por interferência externa. E foi o que aconteceu. Só acordei com o dia já claro.
No box, descobri que muitas equipes tinham abandonado a prova. Descobri também que a minha equipe tinha virado zona na minha ausência. Até o filho do multicampeão tinha pilotado o kart. Nem inscrito pra prova ele tava.
A última visão do meu kart na pista foi de um dos pilotos do meu time atrapalhando o kart oficial do cara que nos emprestou os motores. Mas mesmo assim terminamos uma posição adiante do kart do time do Rubens Barrichello.
Trigésimo, acho. Se bem que isso não tem a menor importância, uma vez que piloto só conhece três categorias de números ordinais: de primeiro a nono é uma. De décimo a décimo nono é outro e diz-se péssimo (péssimo primeiro, péssimo segundo e adiante). E de vigésimo em diante é tudo bagagésimo e não faz a menor diferença.
Bastaaante comedido seu post ! Interessante comentar que cada piloto tem seu historico numa prova de longa duração, porque são várias historias diferentes acontecendo. Enquanto um faz uma coisa, está num lugar, o outro está no banheiro, atrás de peças, "cornometrando" (porque é um ato de ficar olhando o amigo desempenhar), ou no restaurante, ou com a namorada num canto qualquer, fazendo tudo menos correr ! Não me lembrava de quase nada disso tudo, menos da dor de cabeça de correr atrás de motores pra manter o kart na corrida ... Memória fraca !
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