Como todo mundo sabe, fui instrutor do Curso Marazzi de Pilotagem por bastante tempo, quando era capitaneado pelo Expedito e depois de sua morte, quando passou a ser pilotado pelo Gabriel.
Lá nos anos 80 as taxas cobradas pela prefeitura para o uso do autódromo eram ridículas, como de resto eram de pouco valor as multas de trânsito e algumas outras taxas e emolumentos (emolumento é legal. Queria ver um emolumento à bandeira. Um dia escrevo sobre palavras que acho ridículas ou foneticamente erradas enquanto significantes).
O autódromo, mesmo, era um local praticamente abandonado. De noite, por exemplo não tinha mais do que dois ou três vigias para a área toda. Um dia conto o que já aprontei por lá em madrugadas fora da lei.
Então o custo, mesmo, do curso era o da manutenção da frota da escola, que não era tão alto assim. Sou da fase dos Chevettes, Formula Vê com chassis Marazzi e Formula Ford com um chassis Bino. A maioria dos alunos preferia fazer o curso com seus próprios carros, que foi o meu caso. Apesar disso aluguei os Chevettes, os F Vês e o Bino para umas voltas.
Mais adiante, já sob a batuta do Gabriel, foram comprados um Opala da Stock Paulista e um Passat de Turismo N. E nós (do staff da escola) compramos também um Passat de Turismo N e um Fusca da Speed 1600 para alugar para os alunos.
Mas o post é sobre este Passat amarelo dessa foto (única que tenho dessa época):
Quando o Gabriel vendeu o Curso, o Clube de Pilotagem Automobilística e os direitos envolvidos, reteve os carros, que foram dados para os instrutores. No acerto de contas fiquei com o Passat e um kart com motor Parilla RA de 125cc (não lembro qual era o chassis).
Esse Passat era de corrida e razoavelmente bom. Foi adaptado para ser carro de instrução e tinha dois bancos, um motor de rua levemente preparado, um câmbio de 5 marchas do tipo PS (o mais longo) e usávamos pneus slick em vez dos radiais.
Junto com o Opala era o carro que mais fazia quilometragem. Passava a tarde toda na pista, invariavelmente. Sofria, portanto, na mão de alunos inexperientes.
Além do motor ter pouco preparo, era regulado para não andar muito. Não avançávamos muito o ponto de ignição, não tinha taxa de compressão muito alta e a carburação à álcool era bem rica, pra falhar de propósito acima de 5000 rpm, limite que adotávamos para “trabalho”.
Mesmo assim o carro sofria com incontáveis overrevs em reduções de marcha atabalhoadas e desnecessárias.
No dia em que “ganhei” o carro, o motor fundiu.
Como tínhamos contato com muitos preparadores na época, uma vez que éramos “fornecedores” de pilotos recém formados que alugavam motores e carros para começar a correr em base menos amadora, consegui comprar um ótimo motor feito pelos irmãos Arias.
Os melhores motores deles na época atingiam 127 hp, dentro do regulamento. Se não me engano só podia usar o Weber mini progressivo original dos motores AP600 do fim da década de 80, começo de 90, comando 049G original dos Gol GT e mais nada. Era, de fato, quase um milagre tirar mais 30 hp dos já ótimos motores AP originais sem aumentar a capacidade cúbica e, na verdade, mais nada. Até o acionamento do segundo estágio do mini progressivo tinha que ser o original à vácuo.
Pois comprei por valor quase simbólico um motor que não era tão bom quanto os de 127 hp, mas ainda assim capaz de gerar 125 hp se configurado para fazer uma ou duas voltas em regime de classificação. Para isso avançava-se o ponto de ignição até o talo, que ficava na casa dos 27° (final, medido a 5.000 rpm). Para correr a recomendação era 26° e para treinar/brincar, 25°.
O motor me foi entregue completo, só sem o motor de partida. Montei-o no Passat amarelo sozinho (tá bom, vai, com a ajuda do Pig, que “ganhou” o motor fundido em pagamento pela ajuda). Fiz isso na oficina da Escola, que já estava sendo “desmanchada” para ser entregue ao novo proprietário, e a toque de caixa.
Tirei o carro de lá em seguida e levei-o para casa andando pelas avenidas de Sampa. Eu de Passat e o Pig com minha Saveiro 1600 à gasolina novinha.
A cada sinal verde saíamos, eu e o Pig, alucinados. Como andava aquele Passat! Minha Saveiro não era páreo de jeito nenhum, apesar de ser bem leve e estar perfeitamente bem acertada.
Montei 4 pneus radiais no carro e ele acabou ficando apto a participar de corridas na categoria Turismo N. Passei, então, a treinar com o carro. Iamos eu, Sidney Mainard com seu Speed 1600 e mais alguns amigos com outros Speed.
Eram tardes bem legais, essas. Levávamos só o que íamos precisar: galões com bastante álcool, uma luz de ponto de ignição, um calibrador de pneus e poucas ferramentas necessárias para pequenos acertos.
Sempre nos revezávamos nos carros e o que valia era a melhor volta de cada um em cada carro. Os speedeiros não conseguiam baixar meu tempo no Passat de jeito nenhum! A condução de um carro de tração dianteira é absolutamente diversa de um carro “certo”, ou seja, de tração traseira. Eu tinha a mão de andar com a traseira pendurada até andando em linha reta, o que é comum quando se acerta um Passat para contornar curva do modo menos errático possível. O Sidney, que era o mais rápido dos speedeiros andava um pouco melhor no miolo mas era solenemente espancado na subida do Café. Eu nem me esforçava em bloquear as tentativas dele de me ultrapassar nas freadas do miolo porque sabia que no subidão ele seria jantado facilmente.
Era bem legal.
Comigo o Passat virava na casa dos 2 minutos e 11 segundos (mandando ver, com ponto adiantado no limite). Os carros mais rápidos da Turismo N da época viravam em 2 minutos e 8 segundos. Levando em conta que não alinhavamos o Passat e na verdade nem nos preocupávamos com o desenvolvimento dele, como a troca do câmbio por um de 4 marchas escalonado para o circuito novo de Interlagos, amortecedores e molas bons, pastilhas de freio moles e etc, até que era um bom tempo. O Speed do Ney virava em 2 minutos, 13 segundos e vários décimos e sempre vinha no fio da navalha. O Passatão virava folgado na casa dos 2 minutos, 13 segundos e nenhum décimo, com o ponto acertado para brincar.
Certo dia me liga o Ney perguntando se eu não queria ir treinar. Como ia sair “cas moça” bem no dia do treino, não fui. Mas o deixei levar o Passat. E fiz a cagada de contar pra ele o truque do acerto do ponto.
Pois o Ney levou a luz de ponto dele, que “roubava” 3°, e adiantou o ponto do Passat no limite dos 27° pra ver como ficava. Ocorre que por erro da escala da luz de ponto o carro ficou com 30°.
Não durou uma volta a junta do cabeçote.
No fim daquela tarde recebi a notícia de que meu motorzinho encapetado ia ter que ser reparado.
Qualquer ser humano de inteligência mediana que gosta de motores preparados sabe que um cabeçote bom passa por uma operação chamada cubicagem, que é a medição de cada câmara de combustão para o cálculo da taxa de compressão e equalização, dentre outras operações. Aquele motor tinha exatos 12,75:1 de taxa, valor que foi testado à exaustão pelos irmãos Arias no dinamômetro da oficina (bem equipada) deles. Não adianta taxar demais um motor pois ele perde a aptidão para atingir giros altos. E meu Passat amarelo era bastante eficiente se usado entre 4.500 e 6.800/7.200 rpm. Ótimo power band.
Pois o Sidney mandou plainar o cabeçote, que empenou. Foi por água abaixo o acerto minucioso feito pelos Arias. Primeiro porque passaria a ter pouco mais de 13:1 de taxa nos cilindros das pontas e quase 13,5:1 nos cilindros do meio. Pra ficar com 12,75:1 nos quatro outra vez ia ser necessária a remoção de material das câmaras, o que o regulamento da época não permitia e longas horas de cubicagem, o que não foi feito.
Sabendo disso o carro perdeu o valor pra mim. Um motor bem preparado de Turismo N dura aproximadamente 4000 km sem sem ter que sofrer desmontagem e troca de peças importantes, apenas com pequena manutenção básica. Descalibrado como ficou depois da queima da junta e conseqüente empenamento, ia dar dor de cabeça. Não era o que eu queria.
Eu estava começando a andar de kart nessa época e tinha já brinquedos suficientes para me divertir: o kart que veio junto com o Passat (o que tinha motor Parilla RA), um Mini/PCR 125cc e um ZF de endurance com dois motores Honda de 5,5 hp.
E foi assim que acabei dando de presente o carro para o Sidney.
Pô meu! Vc deu o carro por causa disso! Poderia estar andando na TCMP! Viu, se por acaso empenar o cabeçote do Hellrot, lembre-se de mim tá?
ResponderExcluirÔ, fio! De você eu gosto. Vem em casa e escolhe um souvenir pra ficar de recordação. Menos o cabeçote do M42 que tá em uso, né?
ExcluirOw, vou sim! E vou cobrar! Valeu!
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