Tive um Speed 1600, aka fusca de corrida. Na época em que o grid tinha mais de 40 carros em todas as etapas do campeonato, lá pelo começo dos anos noventa. Era carro que não acabava mais. Meu recorde, tirando Mil Milhas, foi largar com mais 51 carros alinhados. E sem a viadagem de largar em movimento. Largava-se com os carros parados mesmo. Quem conhece Interlagos sabe que dos últimos lugares num grid grande não dá pra ver direito as luzes de largada ou a bandeira do diretor de largada.
E era lá no fundão que eu constumava largar. Ora porque o carro não funcionava bem na classificação, ora porque não descolava logo um vácuo pra me puxar. Mas era melhor assim. No fundão não tinha fiscal de largada. Pras primeiras filas tinha. Lá no fundão era meio sem lei.
Assim, ó:
Nesse filme aparecem dois dos três envolvidos. Melhor não dizer quem são.
E eu tinha um método de largada, meio beirando a ilegalidade, que sempre me catapultava pro meio do bolo não importando o meu motor quase standart ou os outros, eventualmente fora do regulamento e bem mais potentes. A regra, na época, dizia apenas que as rodas dianteiras não podiam estar além da marca no chão correspondente ao lugar de largada. Minha tática era andar uns 6 metros pra trás imediatamente antes da luz verde ser acesa (tinha que contar com a sorte e assistir todas as largadas das corridas anteriores pra sacar o tempo que o diretor de largada levava pra apagar a luz vermelha e acender a verde). Com o carro em movimento e desse modo já com a inércia quebrada, eu focava na luz vermelha. Apagada, eu cravava o pé no acelerador. Sempre deu certo de passar pela marca branca no chão exatamente ao acender a luz verde. Só que eu já estava no meio da primeira marcha e todo mundo ainda soltando a embreagem. Não era completamente ilegal mas também não era muito ético.
Numa das corridas deu tudo certo na largada, vários carros rodaram, bateram ou quebraram e lá pela décima ou décima-primeira volta eu tava andando no pelotão do décimo-segundo lugar. Ou seja, do mar de fuscas inscritos só tinha mais onze na minha frente.
Só que dentre esses carros que rodaram e voltaram à corrida tinha alguns que eram realmente bons. Melhores que seus pilotos. Que me alcançaram, lógico, depois de recuperados de suas rodadas.
Mas o problema nessa corrida foram dois pilotos com carros bons, como veremos a seguir.
Um deles tinha comprado o carro que tinha sido campeão na temporada anterior. Mas era um novato. Todo novato tem que passar por aprendizagem. O outro era preparado pelo seu próprio mecânico-piloto. E o mecânico tinha evoluído (ou roubado na preparação). O piloto, não.
Esse último foi o primeiro (dos dois problemáticos) a, digamos, não gostar de ter sido ultrapassado por mim. Foi na descida do Mergulho. Ví que o carro do cara tava traseirando muito e me preparei pra enfiar o bico por dentro quando ele aliviasse pra trazer o carro pra dentro no Mergulho. E assim fiz. Mas não tinha muito espaço e o cara acabou batendo na minha lateral direita. De leve, sem danos pra ninguém, fora o susto do cara.
Devia ser a penúltima volta.
Na última o segundo (dos dois problemáticos) passou pelo primeiro (dos dos problemáticos) e começou a crescer no meu retrovisor. E num lugar injusto pra mim, que era a subida do Café. Esse lugar não requer prática nem habilidade. É só trocar de marcha na hora certa que o motor faz tudo sozinho. Não existe curva do Café pra carro de pouca potência.
Tentei não dar lado nenhum para o cara me passar mas tudo tem limite. Ele conseguiu botar o carro por dentro e ia quase emparelhando comigo enquanto nos aproximávamos da entrada dos boxes, que é bem parecida com a proa de um navio. Foi o espaço que deixei pro cara. A proa do navio.
Não era exatamente assim. Não tinha a barreira de pneus antes.
Mas ele insistiu em enfiar o carro por lá e assim cruzamos a linha de chegada. Ele esfregando o carro no muro e batendo na lateral esquerda do meu carro. E eu sem virar o volante um milímetro sequer pra dar espaço pro cara.
Cruzada a linha, tirei o pé e fui pro meio da pista. Não ví o primeiro (dos dois problemáticos) me passando pelo meu lado direito. Pra falar a verdade, não ví mais nada. Minha preocupação imediata era o estribo que tinha amassado, subido e entrado pela janela, batendo de leve no meu rosto (ando de viseira levantada quase sempre). Eu tava tentando avaliar o tamanho do estrago e vendo se tinha desalinhado muito a suspensão dianteira. E andando devagar. Juro que não ví o primeiro me passando pela direita.
Avaliado o estrago, contornei o Senna e o Sol.
Adiante ví os fuscas dos pilotos problemáticos. Emparelhados, óbviamente se comunicando e vendo que era eu quem vinha atrás.
Apontei meu speed para o lado esquerdo da pista. Eles também.
Apontei então para o outro lado, quase na grama e enfiei o pé no acelerador, em terceira marcha. Ambos tentaram me bloquear no lado direito da pista, quase no posto dos fiscais de pista da entrada do Lago.
Não tive dúvida. Mirei bem entre os dois carros e fui. Um ficou lá mesmo e de lá não saiu mais. O outro deve ter conseguido se arrastar para os boxes.
O ataque é a melhor defesa, sempre. Eu é que não ia dar explicação pra ninguém lá nos cafundós do autódromo. Não ia parar de jeito nenhum na pista.
Não é necessário dizer que o tempo fechou nos boxes. He he he...
Eu saí escoltado do autódromo, largando o fusca, ferramentas e peças com meus amigos.
Fui seguido pelo carro dos mecânicos de um deles (até hoje não sei qual) por boa parte da Avenida Marginal. Só me livrei da perseguição porque tinha um carro mais rápido que o deles. Tirando isso, o bafafá ficou pela suspensão dos envolvidos, só. Como tem de ser.
Nenhum de nós se livrou da punição aplicada pela Federação. E nenhum de nós se livrou de ter que refazer praticamente inteiros os três carros.
Obviamente aproveitei pra trocar a cor e o número do meu, além de contratar um preparador competente que se encarregou do meu motor pra eu evitar largar do fim do grid.
Largar em fim de grid é quase certeza de encrenca durante a corrida quando a gente não pode dispor de um motorzão.
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