quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Palio Weekend Adventure Locker D´Orleans e Bragança

Em produção já há 16 anos, a boa e velha perua derivada do compacto Palio já foi configurada de vários modos pelo departamento de marketing da Fiat. Já teve motor 1.0, câmbio de 6 marchas, já foi luxuosa e já foi espartana. Teve até motor Chevrolet!

A versão que experimentei é quase um SUV. Com pneus grandes e de uso misto, é mais alta e mais comprida na distância entre-eixos do que as versões mais comportadas e exclusivamente urbanas.

Parece um off road. Mas só parece.


O desenho agradável das versões urbanas foi brutalizado a ponto de quase transformar a perua num personagem mutante de filme. É extremamente "encapada" por apliques plásticos. Encapada e recheada. Gadgets plásticos tais como um cinzeiro que desencaixa dos nichos das indefectíveis latas de refrigerante (ou outra bebida, de preferência não alcoólica), porta-óculos no lugar da alça de teto do motorista, nichos das portas e rebaixos e reentrâncias estão espalhados pelo painel e console central da mesma forma que poderiam estar em prateleiras de lojas de hiakuen*. E parecem custar hiakuen.

Dinamicamente o carro é engraçado. Bem mais alto que o projeto original e usando pneus de jipe, mantém o padrão "cheesy" do fabricante italiano para produtos populares. Se bem que essa perua não custa pouco. Andando civilizadamente lembra bastante o ride de um... Novo Uno. Inacreditavelmente, apenas o roll da carroceria é bastante percebido, apesar de bem controlado. Pitch, não. A perua não afocinha em freadas fortes e não empina muito a frente em acelerações bruscas. Já o yaw... Mas depois falo disso.

A suspensão levantada a deixa com pouco curso "negativo". Se o carro pular, tira logo os pneus do contato com o solo. E os pneus são os únicos componentes de um carro que tocam o solo...

Grave, isso.

A perua escalou nosso parque de diversões, digo, trecho de subida de serra entre Taubaté e Ubatuba no litoral norte do Estado de São Paulo quase que pulando de curva para curva nas centenas de sequencias de esses ora de raio longo e arco curto, ora de raio curto e arco longo, destracionando e apresentando forte torque steer*. A combinação de motor de bom torque distribuído em curva plana, suspensão quase sem curso negativo, pneus grandes mas com pouco grip e forte bump steer* tornam a condução esportiva bastante complicada. O que é uma pena porque o motor e-Torq e o escalonamento da caixa de câmbio formam um ótimo conjunto. Nisso a Fiat é especialista, acho, já que é o terceiro Fiat em seguida que me deixa feliz nesse quesito.

Mas além dessa perua não ser de corrida, o line up do fabricante contem produtos mais adequados ao acúmulo de pontos na carteira de habilitação.

O yaw. 

Como já disse, esse é um carro comum, relativamente pequeno (4,3 m de comprimento), relativamente leve (1.200 kg), com boa relação peso/potência equipado com um powertrain pra lá de competente e que teria tudo para se mover em estradas proporcionando muito prazer. Porque é prazeroso guiar um carro "familiar" com apenas 9 kg por hp.

"Lá vem o cara esculachar um carro feito pra uso misto outra vez..."

"Não enche e me deixa explicar."

Faz tempo, eu divertia Expedito Marazzi ao dizer que "o que importa é manter o centro de massa do carro no traçado. Se estiver alternando escapadas de frente ou de traseira a gente conserta." Não era assim tão educadamente que eu enunciava o conceito. E não é que Palio Weekend Adventure Locker D´Orleans e Bragança me lembrou do jeito que eu costumava contornar a velha e longa Curva do Sol de Interlagos? Tive a sorte de conduzi-la sob chuva, rápido, confiando que o desenho bastante sulcado dos pneus de jipe ia drenar competentemente o filme de água. E o fizeram, até. Não sei se vocês conhecem ou lembram do ride típico dos velhos pneus diagonais, mas esses pneus de jipe se comportam de jeito bastante parecido. A maior diferença entre um pneu de construção diagonal e um de construção radial é que o segundo não deforma tanto a banda de rodagem quando em uso. Do mesmo modo que num dragster, os pneus da perua parecem afinar e aumentar de diâmetro com o aumento da velocidade. "Tive essa nítida impressão", disse o cara que vinha de moto atrás de mim. Esse fato tornou a inserção e a manutenção do carro em curva bastante trabalhosa, demandando inúmeras pequenas correções no volante.

O cockpit é confortável e espaçoso. Tudo ergonômico e de bom tamanho. Palios sempre foram assim. Apenas dois pequenos inconvenientes: a regulagem da altura do volante, que não é ampla o suficiente. Se a Fiat cobra por esse opcional, é justo que sejam apenas centavos, na mesma proporção do pequeno deslocamento para cima e para baixo. E o pedal do acelerador, que fica um pouco longe do pedal do freio. Mas isso dá pra contornar facilmente. É só dirigir de pantufas de pé de monstro.

De resto, é um carro completinho (não gosto desse termo e não vou ficar repetindo o tempo todo). Tem bancos revestidos de couro, um painel até bonito, tem bússola e inclinômetros (não vi muita utilidade nisso mas distrai as crianças), um computador de bordo cheio de funções (também não muito útil mas distrai os adultos), um toca-cd que lê pen drive e players cuja tomada USB fica inteligentemente escondida dentro do porta-luvas e um vistoso rack na capota, desenhado para cumprir apenas função estética, não sendo portanto adequado que se carregue peso em cima (tá no manual, isso).

Ah, sim. O ELD. Não é à toa que o carro tem a palavra Locker no seu longo nome (parece nome de nobre, até). Tem o botãozinho no confuso painel de utilidades batmanianas que trava a caixa de engrenagens planetárias do diferencial e teoricamente tira o carro de situações difíceis no off road,  onde se perde tração em apenas uma das rodas dianteiras. Apertei pra ver se funcionava e... apesar de ser chão de terra, ao virar a direção comecei a sentir uns estalos vindos da roda interna à curva que comecei a fazer. Acho que tinha grip demais. Desliguei logo e deixei por isso mesmo. O manual dedica vários parágrafos a esse gadget. A maioria deles começa com a palavra "não".

Tá explicado, isso. Certo?

Painel de utilidades batmanianas

 
Retrovisor fotocrômico. Devia fritar gente que empaca com 
farol alto ligado na nossa nuca. Mas não frita



Controla-se o sistema de som no volante. Mas não é sempre que
 se lembra que tem botão pra isso no volante


Cinzeirinho hiakuen

O pen drive fica protegido de joelhadas

 
Quarto pedal. Bem profissa, isso

Punta "tele" tacco

Distração pras crianças (bússola e inclinômetros)


Porta óculos hiakuen

Pneu de jipe

Glossário:

Hiakuen - é o nome (em japonês) da moeda de 100 ienes. Também é o nome das lojas de 1,99 no Japão. Sinônimo de coisa barata ou com aparência barata.

Torque steer - é a influência do torque de motores transversais dianteiros sobre a tração, forçando o volante de um lado para o outro. (Por isso que prefiro carros de tração traseira, sempre). 

Bump steer - tendência das rodas dianteiras esterçarem só com o afundamento ou distensão das suspensões, sem interferência do volante.

4 comentários:

  1. Muito bom, vc merece um emprego em revista especializada, apesar de lá vc não poder falar tudo isso e dessa meneira

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    1. Obrigado. Tenho bons exemplos a seguir, sempre. Até na família.

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  2. Será que uma "abaixada geral" (rodas, pneus, suspensão) melhoraria uma tocada mais "esperta"? Abç!!!

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    1. Dercílio, acho mais fácil comprar uma perua não-Adventure duma vez. Acho que tem no line up com esse conjunto de motor e câmbio. Fiquei positivamente surpreendido com o potencial do carro. E bem decepcionado com com a demanda do mercado para carros assim modificados. E bem solidário ao departamento de engenharia de acerto fino, que deve ter pulado miudinho pra manter esse carro ainda bom mesmo estragado por pneus inadequados.

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