Foto roubada em amika.com.br. Click do Stênio Campos. Entre o banco e o volante, eu.
Faz tempo que quero falar sobre pilotagem de competição. Do meu jeito, claro. E competição de kart, que é acessível pra quase qualquer pessoa.
Já me perguntaram diversas vezes por que é que a gente (eu e "os cara") anda tão mais rápido na mesma pista, na mesma hora e com o mesmo kart.
Hora de tentar começar a responder.
Primeiro tem a técnica. Mas isso pra gente (poucos, na verdade) é coisa que não tem mais tanta importância. Mas deve ser dito.
Sem entrar em maiores detalhes, quanto maior for o raio da trajetória curva que a gente estiver descrevendo, mais rápido estaremos andando antes que o kart comece a escorregar.
Na verdade a gente tá escorregando o tempo todo enquanto percorre uma curva. Mas é uma escorregadinha discreta e que não reduz a velocidade de forma que a gente comece a perder tempo.
Tempo é importante. Quanto menos a gente perder, melhor. Depois volto a falar disso.
Então, basicamente é isso. Em trajetória não curva a gente afunda o pé no acelerador. Quando tá chegando perto da trajetória curva a gente breca até que a velocidade seja compatível com o arco a ser percorrido (descrito, em linguagem de geometria). Como a gente quer andar rápido, essa freada tem que ser feita no menor espaço possível.
Depois eu falo sobre como a massa, ou, o peso do conjunto (kart + a gente) se comporta em transição de movimento.
Antes eu quero falar de coisa mais importante, que é o que deveria estar na mente de quem tá pilotando.
Nada. Isso mesmo: nada.
Quem manda na pilotagem são os reflexos. A gente treina os reflexos pra pilotar e se preocupa com outras coisas relacionadas mas não diretamente ao ato de fazer o kart andar rápido. A gente já sabe que tem que frear e como frear. A gente já sabe que tem que virar o volante pra fazer uma curva e quanto virar. A gente tem gravado na mente o que tem que fazer quando o kart escorrega mais de traseira ou mais de frente. Isso tem que ser feito sem pensar. Tem que ser automático. Como piscar os olhos. A gente não comanda isso racionalmente. Apenas faz.
Nisso a gente não pensa. Daí eu ter falado que a gente não pensa em nada quando tá pilotando.
Sobra então grande capacidade de processamento pra "ler" a corrida, ou, avaliar nosso desempenho e o dos caras (e minas - elas aceleram um monte) e pensar no que tem que ser feito com o que a gente já tem, que é o que eu disse há dois parágrafos.
Sabendo e tendo gravado na mente o "como pilotar rápido", a gente dosa a velocidade em função dos outros que estão na pista na mesma hora.
Até agora não disse nada que ajude muito, né? Daqui em diante piora.
Fiz yoga. Não porque quis, mas porque era a atividade menos brutal que obrigatoriamente tive que fazer pra cumprir meus créditos e acabar a faculdade. Ou era isso ou iam me esfolar em quadras de basquete, futebol de salão e outros esportes violentos.
Ninguém acredita (sendo eu quem sou) que uso yoga até hoje, mais de 25 anos depois de ter aprendido algumas técnicas. Mais do que técnicas, minha instrutora me deu uma outra visão de como usar meu corpo e minha mente. Me deu a chave pro domínio deles, de certo modo. Respiração, por exemplo, é comigo mesmo. Eu sei respirar. Mesmo fumando, não tenho problemas respiratórios. Isso ajuda muito enquanto a gente tá pilotando.
Pilotar é um exercício físico isométrico. A gente faz força sem se mover. Isso consome tanto o físico quanto a mente. Ambos precisam de oxigênio pra funcionar direito e a respiração treinada mantém o fluxo necessário. Só isso já justifica a prática da yoga.
Quem fica ofegante durante a pilotagem ou quem respira pela boca se ferra em pouquíssimo tempo. Falta ar e isso se torna uma preocupação. Essa preocupação tira o foco principal, que é "ler" a corrida. Tem quem fique nervoso também, logo antes de ir pra pista. Eu fico, às vezes. Mas é só respirar prestando atenção nos tempos de inspiração e expiração por alguns instantes que tudo fica em paz. Oito tempos inspirando, oito segurando o ar inspirado e dezesseis soltado-o. Essa é a proporção.
Já disse lá em cima que "nada" deve ocupar a mente da gente durante a pilotagem. Tem treino pra isso na yoga. Pra encher a mente de nada. E enche-se a mente de nada enquanto músculos e articulações fazem posições impensáveis pra quem fica apenas em pé, sentado ou deitado. Pra uma pessoa não iniciada é ótimo treino pra desprender a mente do corpo. Exatamente o que é necessário pra pilotar. Karts não são confortáveis. A posição do banco favorece mais a distribuição do peso no micro monoposto do que o conforto propriamente dito. A aceleração lateral (a força que tenta tirar a gente do banco quando em trajetória curva) é grande e é necessário algum esforço físico pra se manter sentado e na posição certa. Bem parecido com os ássanas da raja yoga, que era a modalidade que eu praticava.
Corrida ou treino é um filme. É um filme que a gente pilota. O kart é uma extensão do corpo da gente. Só que a gente não tá lá, no kart. Pode parecer esquisito mas é isso mesmo. Apesar da puta interação entre mente, corpo, chassis, motor, rodas e pneus, a gente tá mesmo é olhando adiante e se preparando pro próximo trecho da pista. A gente tem que preparar mentalmente as próximas curvas enquanto faz as do momento imediato. Aí que entra o Chi. (Explicando rapidamente, me envolví com isso porque me envolví com gente iteressada nisso que me interessava, se é que me entendem). Para orientais, o Chi é a energia vital. Mas não deve ser entendido como energia da forma que a gente conhece por não ser mensurável. E Chi a gente projeta pra fora da gente. Quando eu piloto e tô realmente empenhado em andar direito, projeto o Chi adiante, pra onde eu quero que o kart passe e do jeito que eu quero que se comporte.
Por enquanto tá bom, só isso. Mas esse texto é mutante e será modificado ao longo do tempo. Nos seus lugares, botava nos favoritos e voltava de vez em quando pra ver se tem alguma atualização.
Como eu disse, esse texto é mutante. Alá um texto do Bob Sharp sobre pilotagem em modo automático e modo manual, absolutamente pertinente e oportuno. Serve muito bem como apoio a esse aí de cima, que monta tosca e impressionisticamente o cenário de pilotagem de kart em competição:
Como eu disse, esse texto é mutante. Alá um texto do Bob Sharp sobre pilotagem em modo automático e modo manual, absolutamente pertinente e oportuno. Serve muito bem como apoio a esse aí de cima, que monta tosca e impressionisticamente o cenário de pilotagem de kart em competição neste link aqui.
Caramba, nunca li algo nem parecido, que descrevesse o que foi o meu barato de correr de kart. O que eu sentia exatamente (acho que sem tirar, nem pôr)quando estava lá; do início ao fim, duma kating race. Afora a física da coisa, que nunca pensei no aspecto fisicamente traduzido, eu me sentia assim, como você bem definiu. Em tudinho, assim. Com a sensibilidade do corpo, da mente, do auto, dos outros pilotos em seus autos, da pista.
ResponderExcluirAcho que correndo de kart, foi quando eu "conseguia encher a minha mente de 'nada'", em minha vida. Tá aí: com muito poucas outras coisas, eu conseguia esse feito. Eu nunca fiz (apesar de ainda pretender fazer) Yôga; mas esses exercícios aí, de respiração, acho que devo ter "trazido comigo", e... sendo bem o "normal" que sou, vou deixar isso dito aqui: Irineu, apesar de tudo o que leio da oposição (das pistas, falando)acerca de você, eu, quando crescer, QUERO SER IGUAL A VOCÊ.
Cristina Rangel.
Vindo de você só podería me deparar com um texto muito bom. É fato que perto de você eu ainda sou um rapaz pouco experiênte no kart, mas nestes meus 15 anos como piloto amador eu aprendi muita coisa e passei por estes pontos que você comentou. A preparação física é mto importante, por isso eu me dedico a ela também. Não só pra ter músculos, mas também pra ter boa capacidade cárdio-vascular. Parece bobagem, mas é como vc falou: respirar bem é fundamental!
ResponderExcluirDepois conte também como vê a pilotagem em chuva, hehehe! Acho que neste caso é necessário pensar e não simplesmente agir. ;)
Como eu disse, esse texto é mutante. Foi escrito rapidamente e não sofreu revisão. Vou fazer isso hoje ainda. E, obrigado pela sugestão de falar um pouco sobre pilotagem sob chuva.
ResponderExcluir"Pilotagem sob chuva", não encaro, não, rsrss... Mó cagaço, admito. Me arrepia até o fundo d´alma, só de pensar.
ResponderExcluirJá, pro Irineu... isso deve requerer um pouquinho mais de cuidados, "só".
E, lá em cima eu quis escrever "karting race".
Bjooooo, boas corridas, sempre! (:
Chuva é a mesma coisa que seco. Só que o grip (aderência) "foge". Tem caçar onde ele tá. A visibilidade é bem ruim também mas não faz tanta diferença assim em circuito fechado. E... medo? Todo mundo tem. Quem não tem é idiota ou tá morto, já.
ResponderExcluirQuanto mais conheço esse cara, mais tenho admiração!!! Excelente texto!!! Tenho tentado trabalhar isso a cada corrida!!!
ResponderExcluirRodrigo, a gente tem admiração é por lenda, santo, pai de santo, essas coisas. Um dia eu viro lenda e aí cê me pode ter admiração. Enquanto esse dia não chega, vamos tomar uma cerva e dar risada.
ResponderExcluirMuito bom Irineu!
ResponderExcluirExcelente texto, ótimo pra quem gosta de pilotar.
Quero aprender com essa sua experiência na prática, disputando com você e os outros "cara"! Hehehe.
Abraço!
"Os cara" me dão bucha, Rafael. Não gosto de treinar. Vô na fé, na yoga e no Chi, só. Mas tomo poucos décimos.
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