sábado, 21 de abril de 2012

Race car


Despretensioso, não?

Um Escort. Dos velhos da primeira fornada, quando ainda tinham suspensão independente atrás. Esse aí deve ser 1991 ou 2.

Tive um desses. Como vem de fábrica, não tem a menor condição de ganhar corrida. Mas bem preparado, ah!

Esse aí da foto tem história. Uma bela história, aliás. Foi preparado pelo competentíssimo Andreas Matteis para participar do antigo Campeonato Brasileiro de Marcas, quando já não era assim tão glamuroso como no meio dos anos oitenta. Não é o caso de falar agora da participação dos Escort em todas as temporadas do Brasileiro de Marcas mas acha-se essa info com relativa facilidade.

O caso é este carro em particular. Porque este carro é um ganhador de corridas, mesmo depois de esquecido por uns dez anos no fundo de uma oficina. Resgatado que foi pelo Nenê Finotti, agora é pilotado pelo Henry Shimura em provas na recém criada TCMP. Continua um bom carro de corrida e veremos adiante o motivo.

Carro de corrida mesmo pertencendo a alguma categoria que seja bastante próxima de um carro de passeio, é bem diferente. É feito pra suportar uma demanda muito superior à de um carro de passeio porque todas as suas partes são bastante exigidas, incluindo frisos, acabamentos e pintura já que carro de corrida dá e toma porrada.

O monobloco é bastante exigido. E via de regra era (hoje, não tanto) uma parte negligenciada na preparação. Os regulamentos aplicados aos carros de turismo adaptados para competição preveem a instalação do santo antonio (roll cage), mas com o intuito de manter o piloto seguro dentro de uma estrutura mais rígida do que o monobloco do carro de corrida adaptado.

Só que com a enorme demanda de uma competição os pontos de solda dos vários perfís metálicos que formam a carroceria tendem a "amolecer". Monoblocos de carros de passeio não são soldados com a mesma eficiência que se observa num casco de navio, por exemplo. Não se aplica cordões de solda e sim pontos. A não ser em locais importantíssimos, claro. Isso por conta de custo de fabricação versus uso corriqueiro. Frear virando o volante para entrar no S do Senna com o carro torcido de lado, tirando uma das rodas traseiras do chão e subindo desajeitadamente na zebra não é exatamente "uso corriqueiro".

Nesse momento entra em ação, mais uma vez, o santo antonio. Um carro de corrida bem preparado tem um santo antonio que mantém a estrutura intacta e imóvel mesmo sob forte torção. Aproveita-se o acréscimo de peso obrigatório por medida de segurança para trabalhar a favor do carro tornando-o rígido, o que acaba por não mascarar o trabalho das suspensões.

Não adianta usar amortecedores Spax, Penske, Koni ou de outra griffe, molas com coeficiente elástico adequado à distribuição de peso do carro e substituir coxins de borracha por precisas e caras juntas esféricas se a posição relativa das torres dos amortecedores e outros pontos de ancoragem dos elementos da suspensão não se mantém estabilizada e sem variação dimensional.

Mal comparando, basta tentar torcer uma caixa de sapatos sem tampa e com tampa pra ver o que acontece. 

(Favor parar de ler e fazer isso agora mesmo. Em seguida favor voltar e continuar a leitura que vai ter bastante foto pra ver)

Aquele Escort da foto tem mais do que um santo antonio. Tem praticamente outro chassis feito de tubos de aço que interliga todas as partes vitais do carro e anula as forças que tendem a encolher ou esticar os perfís do monobloco original.

Alá:


Esta é uma das torres dos amortecedores traseiros (a esquerda, pra ser mais exato). Esse monte de tubos na frente da torre é o local para onde converge a maioria das forças atuantes no monobloco. Tá bem amarrado, eu diria. Da própria torre saem alguns tubos que vão se conectar às outras três torres dos amortecedores. Grosso modo, as torres dos amortecedores são "copos" soldados no assoalho do carro. A idéia é fazer um outro plano paralelo ao assoalho que absorva o esforço onde os amortecedores se apoiam.


Da mesma forma na frente do carro, as torres dos amortecedores dianteiros recebem o mesmo tratamento. O tubo que tem os tie wraps pretos (vamos falar direito: É TIE WRAP e não tairáp e nem hellerman e nem engasga gato) vai pra dentro do cockpit (habitáculo, em carros de passeio) e acaba encontrando a torre do amortecedor traseiro desse mesmo lado. Nota-se a aplicação de pequenas chapas de metal mais espessas que as do monobloco, soldadas à torre do amortecedor e onde é soldado o tubo do santo antonio. Isso ocorre em todos os pontos de ancoragem dos tubos pra evitar o enfraquecimento da fina chapa de aço original do carro.


Já que estamos na frente do carro, tá aí uma vista geral debaixo do capô. As duas torres estão ligadas entre si em cruz até o painel, lá dentro do carro e por tubos que vão até as torres traseiras.


Esse tubo onde está instalado o painel de instrumentos não tem exatamente esse fim mas sim absorver as forças que vem lá da frente, das torres dos amortecedores. A caixa é fechada abaixo, na região dos pés de coluna, por tubos assimétricos que "sobem" até a barra de direção. A explicação é simples: se um pé de coluna (batente inferior dianteiro de cada porta) fosse ligado diretamente ao outro não tinha como acionar os pedais de embreagem, freio e acelerador. O vão das portas é fechado com um X, como se vê.


Grande parte das forças de torção do monobloco são anuladas nesse intrincado X atrás do escritório, digo, do banco do piloto.


É no assoalho do carro, que é o plano inferior da "caixa de sapato", onde devem ser ancorados os tubos. Como se vê na foto acima, tem um túnel, se bem que raso, no meio do assoalho do Escort. Optou-se aí por fazer um perfil em chapa soldado na caixa de ar (ou soleira da porta) e no assoalho, que recebe os esforços dos tubos.


O estado da arte desse santo antonio está nessa treliça que amarra a coluna B (batente traseiro da porta) à estrutura para onde convergem quase todas as forças.


Meio difícil de explicar a foto aí de cima, mas esse pequeno triângulo de tubos mantém os olhais dos braços das suspensões (independentes, nesse carro) traseiras nos seus lugares mesmo que o carro pule por cima de zebras e buracos no off track. Um carro bem amarrado não desalinha a suspensão tão facilmente.


Não, essa foto não tá ruim. O reflexo é do cara que ficou falando "tira uma foto daqui", "tira uma foto dali", "tirou daqui já?". 

A base boa de um carro de corrida adaptado a partir de um de passeio não é o motor mega potente ou o câmbio de outro planeta e muito menos a suspensão rebaixada. É, sim, o monobloco bem amarrado. 

3 comentários:

  1. Carro legal e bem construido, este dá vontade de guiar!!

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  2. Pois é. Preciso reivindicar o rolê que me foi oferecido nesse carro.

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  3. Putz, sempre tive vontade de arrumar um escort para "azucrinar" nos track days e provas de clássicos e torna-lo de fato mais estável.

    Pois isso foi algo que sempre me intrigou: Como o carro era foda no campeonato de marcas e tão cabritão na versão de rua...

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